Ainda que
nada tenha directamente a ver com vinho, a rolha de cortiça desempenha
um papel decisivo na sua conservação em garrafa. A sua eficácia nesta
função tem originado grande polémica e ao longo dos últimos anos têm
surgido novos vedantes.
Cortiça, alumínio, plástico e
vidro são as matérias-primas utilizadas no fabrico de vedantes para
garrafas de vinho. Mas nem sempre foi assim. Até há bem pouco tempo a
rolha de cortiça era o único vedante utilizado. O exponencial aumento
dos engarrafados a partir da segunda metade do século passado e,
fundamentalmente, o aumento de problemas com o “gosto a rolha” atribuído
à rolha de cortiça, desencadeou uma revolução no mercado de vedantes
para vinho.
Apesar de tudo o que foi feito ou refeito, a rolha
perfeita continua a não existir, e com o advento das novas tecnologias,
onde se destaca a prometida e revolucionária nanotecnologia “a procissão
pode ainda ir no adro da Igreja”.
A nobre cortiça
A
cortiça consiste num tecido vegetal com centenas de milhões de células
suberizadas, inertes e impermeáveis. Estas células, cheias com gás,
formam uma estrutura compressível e elástica. A cortiça pode ser
comprimida para metade do seu volume sem perder flexibilidade e possui a
particularidade única de poder ser comprimida numa dimensão sem alterar
a outra. Estas características fazem da cortiça um vedante natural
impermeável com extraordinária eficácia. Ao longo de séculos tem ajudado
a escrever a história do vinho que hoje conhecemos. É, por assim dizer,
o maior aliado do homem na conservação e melhoramento dos vinhos
acondicionados em garrafa. Para muitos a rolha de cortiça é parte
integrante da imagem da garrafa de vinho. Até quando?
Início das Hostilidades
A
revolução de Abril de 1974 trouxe os primeiros problemas à rolha de
cortiça. Os montados mudaram de mãos e a cortiça era por vezes tirada
apenas com 6 anos de idade. Na década de 80, a qualidade das rolhas
diminuiu significativamente e nos finais da década surgiam os primeiros
processos movidos por produtores de vinho australiano contra os seus
fornecedores de rolhas. A lei acudia ao lesado e o negócio da rolha de
cortiça natural começou a tremer.
Em 1989, a indústria portuguesa de
fabrico de rolhas era fortemente censurada por muitos produtores de
vinho. Meio mundo reclamava da fraca qualidade das rolhas de cortiça.
Nesse mesmo ano, enquanto poderosas cadeias inglesas de distribuição
começam a testar rolhas sintéticas e cápsulas de rosca, as companhias
nacionais de cortiça, em conjunto com o governo, fundam o Centro
Tecnológico da Cortiça (CTCOR) em Santa Maria de Lamas.
Objectivo – Apurar as causas dos problemas de qualidade das rolhas.
O “Calcanhar de Aquiles” da Cortiça
O
2-4-6 Tricloroanisol (TCA) foi considerado o principal culpado. É um
composto químico responsável pelo gosto a mofo, a bolor e a bafio em
cerca de 80% dos vinhos contaminados. Este poderosíssimo contaminante
pode estar presente em papel, cartão, plástico, vidro, recipientes
metálicos, madeira, barricas e também...na cortiça. O seu limiar de
percepção situa-se a 1.5 ppt ou ng/l (parte por trilião ou nanograma por
litro) – ou seja, uma simples gota deitada numa piscina olímpica é
suficiente para contaminar a água – mas a maioria das pessoas detecta o
problema a cerca de 5 ppt.
É um químico complexo com várias origens:
fungos presentes nas imperfeições da estrutura celular da cortiça, os
polifenóis próprios da cortiça e produtos utilizados na preparação da
cortiça interagem parcial e integralmente levando à formação deste
composto.
Contudo, o “gosto a rolha” não é apenas atributo do TCA.
Existem outros cloroanisóis como o tetracloroanisol (2-3-4-6 TeCA
detectável a 10 ng/l) ou o mais preocupante tribromoanisol (2-4-6 TBA
detéctavel a 4 ng/l) formado a partir do tribromofenol, usado como
pesticida nas estruturas de madeira das adegas, que pode contaminar
barricas, rolhas, plásticos, cartão ou madeira das caixas de vinho.
Tudo
isto foi metido no mesmo saco e as culpas caíram todas, e ao mesmo
tempo, na nobre rolha de cortiça. Percentagem de contaminação
inaceitável... a cortiça destrói os nossos vinhos,... é em suma o que
transcreviam os inúmeros artigos escritos sobre o tema em finais de
oitenta, no preciso momento em que os vinhos iniciam uma ascensão de
preços nunca antes testemunhada.
Rolhas alternativas
Rolhas sintéticas, cápsula de rosca (screwcap), rolha de vidro, Zork....
Começando
pelas primeiras, a tecnologia moderna ainda não conseguiu criar um
substituto sintético para a rolha de cortiça natural. Existem inúmeras
rolhas deste tipo no mercado mas múltiplos estudos aconselham apenas o
seu uso em vinho de consumo rápido (um, dois anos máximo). Esta rolha
não veda totalmente a garrafa e permite importantes trocas de oxigénio
com o vinho engarrafado (0.01 cc por dia e por rolha enquanto que esse
índice na cápsula de rosca e em boas rolhas de cortiça é inferior a
0.001 cc por dia e por rolha) levando à sua oxidação precoce. Entre as
várias marcas sobressaem a Nomacork, Neocork e Nukorc. São baratas,
visualmente atraentes e podem ser usadas nas linhas de engarrafamento
convencionais.
A cápsula de rosca tem sido o vedante mais popular na
guerra contra a rolha de cortiça natural. São uniformes, muito fáceis de
abrir e vários estudos comprovam que é o vedante que mantém os níveis
mais elevados de SO2 livre (antioxidante). Tem a vantagem de evitar
oxidações e a desvantagem de promover reduções com inerentes aromas
desagradáveis. No entanto, a imagem que têm junto do consumidor (europeu
principalmente) desprestigia o vinho que usa a cápsula de rosca, é um
vinho barato de todos os dias, é um vinho com pouco estatuto, enquanto a
rolha mantém as preferências de estética, ambientalista, para não
esquecer o ritual do abrir da garrafa com o saca-rolhas.
O vedante de
vidro Vino-lok, usado por muitos produtores de vinho alemão e
austríaco, é outra alternativa a ter em conta. É inerte, neutra, muito
eficaz como vedante, é reciclável e esteticamente perfeita, apenas uma
desvantagem – o preço que por enquanto se mantém elevado
A rolha
australiana Zork é outra alternativa interessante para vinhos de consumo
rápido, atraente, fácil de utilizar e pode também ter futuro.
Por
último, a Pro-cork que usa cortiça natural isolada por uma membrana de 5
camadas em cada extremidade que não permite contacto do vinho com a
rolha e assegurando a impermeabilidade. Esta é uma alternativa que junta
cortiça com sintéticos de um modo eficiente.
A Guerra das rolhas
A
“Guerra das Rolhas” está para durar. Neste debate global, os números e
dados científicos apresentados por cada indústria favorecem a própria em
detrimento da concorrência. Ninguém se entende e muitas das vezes é
mais o preço a orientar a escolha do produtor que qualquer outra coisa.
Nos estudos e pareceres veiculados por ilustres técnicos e universidades
as conclusões são muitas das vezes contraditórias.
Perante a
crescente concorrência, a indústria corticeira tem respondido a um bom
nível. Centenas de milhões de euros têm sido investidos na erradicação
do TCA, na criação de novos tipos de rolha assim como na certificação
maciça dos procedimentos tecnológicos das inúmeras empresas. Os
resultados têm vindo a revelar-se positivos. Esta conclusão surge não só
de múltiplos estudos feitos em vários pontos do Mundo como também da
experiência prática da Revista de Vinhos recolhida ao longo dos painéis
de prova dos últimos anos.
A rolha de cortiça, que desde há 3 séculos
criou o vinho que conhecemos hoje, é um vedante para o qual hoje há
concorrência efectiva, mas pensamos que dificilmente deixará de cumprir a
missão para qual a natureza a criou.
Quanto às alternativas: as
rolhas sintéticas são as que menos têm provado, enquanto que a cápsula
de rosca continua a conquistar adeptos em particular em países
pragmáticos e poucos arreigados à tradição (Austrália e Nova Zelândia à
cabeça) e quase sempre escolhida para vinhos brancos, rosés e tintos
jovens. A sua resposta a vinhos com potencial de envelhecimento
mantém-se uma incógnita. Quantos às restantes rolhas que existem e
outras mais que poderão aparecer veremos que história terão para contar
no futuro que se adivinha bem movimentado para qualquer dos vedantes.