Vinhos: tudo o que sempre quis saber (20 Perguntas, 20 Respostas)

Vinhos: tudo o que sempre quis saber (20 Perguntas, 20 Respostas)

Artigos Publicado em 27/11/2016

"É um exercício que tem tanto de útil quanto de difícil, o de tentar responder da forma mais simples possível a estas 20 perguntas. O que aqui está pode não ser tudo o que sempre quis saber sobre vinhos (e, para continuar a homenagear Woody Allen, mas tinha medo de perguntar) – apenas porque, em vez de duas dezenas, poderiam ser duas centenas (e já agora, também porque os leitores não devem ter medo de perguntar). Esclarecer algumas dúvidas e desfazer outros tantos equívocos é o que se propõe fazer o crítico gastronómico da VISÃO Se7e.


1. Antes de beber o vinho, devo cheirá-lo?

É claro que deve, porque o aroma diz muito sobre a origem do vinho: se o vinho é jovem tem, sobretudo, o aroma das uvas, naturalmente transformado e intensificado pela fermentação; se passa por madeira de carvalho, esta dá-lhe o aroma a carvalho, que até pode ocultar o das uvas; se envelhece na garrafa, formam-se novas substâncias aromáticas, que originam o bouquet. A maior parte daquilo que chamamos sabor é, na verdade, aroma, razão pela qual cheiramos as coisas antes de as levar à boca e só depois as saboreamos (é por isso que não conseguimos saborear nada quando uma gripe nos entope o nariz). Ah, o olfato também deteta os aromas maus, que são defeitos do vinho, como o “cheiro a rolha”, evitando que seja levado à boca e ofenda o paladar. Por tudo isto, e muito mais, faça bom uso das narinas, cheire o vinho e surpreenda-se com os seus aromas.


2. Os aromas (a flores, frutos, especiarias, erva, bosque, caça, couro, químicos e tantos outros) atribuídos aos vinhos existem mesmo ou são imaginados?

Os vinhos são feitos de uvas, nada mais. O que nele encontramos são complexos aromáticos que resultam da casta, do modo como foi feito, da idade, do tipo de envelhecimento. E estes estimulam o núcleo olfativo, situado no cimo das fossas nasais, onde chegam através do nariz e da boca (via retronasal) e são comunicados ao cérebro, que os identifica através do seu registo de sensações e aromas, ou memória olfativa, verdadeiro “banco de dados”, na dimensão correspondente à experiência de vida de cada pessoa. Descobrem-se, assim, as características particulares de cada vinho, entre uma gama de cheiros imensa, que podem ser a flores, como a violeta e a flor de laranjeira (descritores sensoriais típicos das castas nacionais Touriga Nacional e Alvarinho, respetivamente); a fruta, como a amora e o limão; a frutos secos, como a avelã e a uva passa; a especiarias, como a baunilha e a pimenta; vegetais, como o feno e a relva; animais, como a caça e o cabedal; minerais, como o terroso e o calcário; queimados, como o alcatrão o fumado; e muitos outros. Identificá- -los é um exercício de memória aliciante, sendo certo que os melhores vinhos têm perfumes mais ricos e os mais vulgares são aromaticamente pobres.


3. Os vinhos feitos a partir de uma só variedade de uva são melhores do que os que resultam de um lote de várias castas?

A tradição do “velho mundo” é fazer vinhos através da combinação de várias castas, exceto na Borgonha, onde os brancos são de Chardonnay e os tintos de Pinot Noir. Este modelo foi copiado pelo “novo mundo”, onde o nome da casta passou a figurar no rótulo, e o conceito de vinho varietal se impôs. Tem a virtude de apresentar a casta na sua plenitude. Mas não há castas perfeitas em todas as suas componentes e o vinho de lote permite fazer compensações e retirar de cada uma o melhor que tem para dar. Escolha cada qual à medida do seu gosto. Uma coisa é certa: sem boas castas não se fazem grandes vinhos, estejam elas sós ou acompanhadas.


4. Um vinho do Porto Vintage tem 20 anos?

Vintage é um anglicismo que se refere a colheita. Portanto, o termo Vintage inscrito no rótulo diz respeito a uma data: o ano de colheita. Considerado a joia da coroa dos Vinhos do Porto, o Vintage é feito de uvas de um único ano e obrigatoriamente engarrafado dois a três anos após a vindima, evoluindo em garrafa durante dez a 50 anos. Não confundir com o Porto Colheita, também de uma só colheita, mas Tawny, envelhecido em madeira por um período mínimo de sete anos.


5. As uvas dos vinhos doces estão mesmo podres?

Não, nem mesmo as de Sauternes, onde se produz o mais célebre vinho de sobremesa do mundo, graças ao seu microclima: este favorece o ataque às videiras do fungo Botrytis Cinerea, que em Portugal tem o sugestivo nome de “podridão nobre”, e ela rompe a película das uvas muito maduras, provocando a perda de água e a concentração natural de açúcar, ácidos, aromas e sabores, mirrando os bagos, que têm de ser colhidos um a um. Também nos climas frios, onde os bagos de uva são sujeitos a uma temperatura à volta de 10oC, a congelação de parte do sumo e a consequente concentração da parte restante tem efeitos semelhantes, dando origem a outros grandes vinhos, como o eiswein alemão e o icewine canadiano. Fazem-se coisas idênticas com recursos tecnológicos, como a criogenia. Mas voltemos às uvas podres que o não são: o bolor da Bortytis Cinerea opera maravilhas e faz um fantástico vinho doce.


6. É verdade que os vinhos precisam de respirar?

Muitas vezes, ao abrir uma garrafa, vem um cheiro desagradável que, passado algum tempo, se dissipa. Outras vezes, nada acontece e os aromas parecem indetetáveis. É por isso que se rodam e/ou agitam os copos, a fim de arejar o vinho e facilitar a libertação dos aromas mais pesados e mais ricos, que são os que precisam de maior contacto com o oxigénio. Arejar os vinhos é fundamental porque eles precisam mesmo de respirar. O nariz, como se sabe, só deteta substâncias voláteis.


7. Se não beber de uma só vez o vinho de uma garrafa, posso guardá-la sem que o vinho se estrague?

Guardá-la, pode e deve, sobretudo se o vinho for bom, mas não por muito tempo, nem à espera de que se mantenha inalterado. O problema está no contacto do vinho com o ar e na quase inevitável oxidação, que ocorre rapidamente e retira qualidades ao vinho. O que é recomendável é que, da próxima vez, tenha à mão um dos vários acessórios disponíveis nas lojas da especialidade com bomba e rolha para extrair o ar e tapar a garrafa de forma eficaz. Esta solução é particularmente vantajosa com o vinho do Porto, que tende a ficar na garrafa durante mais tempo, por se beber menos de cada vez. Mesmo perdendo qualidades, sobretudo aromáticas, o vinho resiste e dá-nos tempo para o consumir.


8. O vinho verde é mesmo verde?

Com a moda que por aí anda de pigmentar os vinhos para lhes mudar artificialmente a cor talvez venhamos a ter vinho verde mesmo verde, mas isso não passará de artifício. O vinho verde chama-se assim por ter o nome da região onde é produzido: Região Demarcada dos Vinhos Verdes (e a região é assim chamada por causa da paisagem, sempre verde). Não se trata, pois, de um tipo de vinho, mas de uma indicação da região que o produz. Obviamente, o vinho verde é feito de uvas colhidas no estado ideal de maturação, tal como se faz nas restantes regiões portuguesas, e vinificado do mesmo modo.


9. O que é um vinho adstringente?

Diz-se adstringente o vinho que provoca uma sensação seca na boca, áspera, encortiçada, sem salivação, com as papilas gustativas contraídas e os lábios repuxados. É, sobretudo, obra dos taninos (compostos químicos da uva, do grupo dos polifenóis), que são responsáveis pela textura e pela forma como sentimos o vinho na boca. O que se passa é que os taninos inibem a função lubrificante da saliva, por motivos que a química explica. O vinho adstringente é, pois, excessivamente rico em taninos e ácidos. Pode ser muito bom, ou mesmo excecional, mas ainda imaturo, à espera que os taninos e outros elementos se ponham no seu devido lugar.


10. Com os anos, os vinhos ficam melhores?

Melhores ou… piores, depende dos vinhos. Atualmente, os vinhos são feitos, maioritariamente, para serem consumidos jovens. É quando devem ser bebidos. Já os que prometem vir a ser grandes vinhos quando forem velhos não deixarão de agradar enquanto jovens (a menos que estejam a atravessar alguma fase conturbada do processo de amadurecimento, como é próprio da juventude). Estes, normalmente, são vinhos duros e ásperos que precisam mesmo de envelhecer. Deixem que o tempo lhes suavize a textura, expanda os aromas e sabores, componha a harmonia, porque estes, sim, ficam melhores com os anos.


11. É preciso decantar sempre o vinho?

A decantação é necessária para os vinhos com depósito no fundo da garrafa, evitando que não turvem, e útil para outros, como os tintos encorpados e ainda em evolução, com taninos e acidez agressivos, ou certos brancos, para os tornar mais macios, já que o tempo não foi suficiente para o fazer. É preciso ter muito cuidado com os vinhos velhos e delicados, cuja fragilidade aconselha a decantar pouco antes de servir, a fim de preservar o bouquet. Os vinhos do Porto Vintage e L.B.V têm de ser decantados, sobretudo estes, por não serem filtrados. Os Tawny, Madeira e Moscatel dispensam, em regra, a decantação. Os vinhos mais baratos não carecem de decantação, mas se forem servidos no decantador melhor, parecem outros…


12. Um vinho DOC (Denominação de Origem Controlada) é melhor que um vinho Regional?

Não, trata-se apenas de classificações diferentes: DOC designa os vinhos produzidos numa região geograficamente delimitada, com legislação própria, nomeadamente sobre as castas recomendadas e autorizadas; Regional respeita a vinhos também produzidos numa região específica, mas não enquadrados nas regras DOC. Assim, um produtor que usar uvas de castas não previstas para a região DOC, ou que tiver vinhas fora dela, perde o direito à designação DOC, mas pode pedir a classificação Regional. Nada disto tem a ver com a qualidade dos seus vinhos. Alguns dos melhores vinhos portugueses até são regionais.


13. Um branco tem de ser necessariamente servido em copo pequeno e um tinto num copo grande?

Não é necessariamente assim, mas é a regra, que tem uma explicação simples: os tintos, com aromas mais concentrados, precisam de mais espaço para os libertar, e o mesmo acontece com os brancos de categoria, encorpados, com aroma intenso. Daí o tamanho e a forma tendencialmente bojuda dos copos, que se vai estreitando em direção à abertura, a fim de concentrar os aromas; daí que se rode o vinho no copo; e daí que este não seja cheio, mas só até cerca de um terço. O tamanho e a forma do copo devem permitir a libertação e a concentração dos aromas do vinho para que possam ser apreciados. O copo depende do vinho e do gosto do consumidor.


14. As garrafas de vinho querem-se deitadas?

As garrafas de vinho, sim; as de Vinho do Porto Tawny ou Colheita com indicação de idade e outros vinhos generosos (Madeira, Moscatel, etc), não. Quanto aos espumantes, incluindo naturalmente os champanhes, as opiniões dividem-se, mas os produtores costumam recomendar que as garrafas fiquem deitadas. Tudo isto tem a ver com o perigo da oxidação: com as garrafas deitadas o vinho está em contato permanente com as rolhas, mantendo-as húmidas e intatas; com elas ao alto, as rolhas tendem a secar, tornando-se permeáveis ao ar e permitindo a oxidação do vinho com a consequente degradação da cor, do aroma e do paladar.


15. Posso beber vinho branco com carne e vinho tinto com peixe?

A velha máxima do “tinto com carne e branco com peixe” já não é preto no branco e caiu na galeria dos mitos. Há tintos leves, que vão muito bem com um bom peixe grelhado, e brancos com algum corpo que se harmonizam à maravilha com carne. Fundamental é o equilíbrio: pratos delicados pedem vinhos suaves; pratos com sabores fortes exigem vinhos personalizados. Nesta matéria deve prevalecer o gosto pessoal, conforme a filosofia do crítico de vinhos inglês Andrew Jefford, com o humor típico da sua terra: “Beber o que quero e comer o que quero, e ter esperança de que a combinação resulte.”


16. O vinho tinto deve ser sempre servido à temperatura ambiente?

A ideia de servir o vinho tinto à temperatura ambiente é antiga e ainda está generalizada, mas não faz sentido. Vem do tempo em que não havia aquecimento central nas casas… Há vinhos tintos que devem ser servidos a 14/15oC, os mais leves, outros a 18/19oC, os mais encorpados, e é neste intervalo que se situa a temperatura recomendada para a generalidade dos tintos, conforme as características específicas de cada um e a estação do ano. Se for preciso arrefecê-lo, nada obsta a que se ponha no frigorífico ou, em caso de emergência, por exemplo no restaurante, que se recorra ao balde com água com gelo. E para lhe aumentar a temperatura, um balde com água quente.


17. Quando devo beber um espumante?

Quando quiser, porque há espumantes de estilos diferentes que se adequam a todas as ocasiões ou circunstâncias da vida. Uns, mais elegantes e delicados, são especialmente indicados para beber sós, à conversa, como aperitivo ou mesmo com pratos de peixe não muito pesados; outros, mais estruturados e intensos, acompanham a refeição do princípio ao fim.


18. O vinho branco deve estar muito frio?

Os vinhos brancos querem-se frios, mas não demais, como muitas vezes acontece. Os vinhos brancos mais ricos, se servidos a temperaturas inferiores a 12ºC, fecham-se e perdem algumas das suas características. Em termos gerais, recomendam-se as seguintes temperaturas: espumantes de 6oC a 8oC; brancos jovens e rosés de 8oC a 10oC; brancos velhos e/ou fermentados em madeira de 12oC a 14oC; tintos jovens e leves, de 14oC a 16oC; Tintos robustos de 18oC a 19oC; vinhos generosos de 10oC a 12oC, exceto os Vintage e LBV, que devem ser servidos a 16oC 18oC.


19. O rosé é um vinho para mulheres?

Já lhe chamaram isso e não foi piropo, foi asneira. O vinho rosé é um vinho para apreciadores, como qualquer outro. Basta lembrar que é feito de uvas tintas, a cujo mosto são retiradas as películas com as antocianas que dão a cor ao vinho, logo que o enólogo encontra o tom pretendido, prosseguindo a vinificação exatamente como a dos vinhos brancos. Reunindo caraterísticas dos tintos e dos brancos, é jovem – em regra, para consumir no primeiro ano – bonito, aromático, fresco, fácil de beber e muito versátil. Para todos.


20. O vinho biológico é melhor do que os outros?

Nem melhor, nem pior, sendo bem feito. Apenas diferente, por ter sido trabalhado, desde a vinha, sem uso de pesticidas ou outras substâncias pouco amigas do ambiente. A Terra agradece. É um produto diferenciado, natural, mais saudável para o consumo e para o ambiente. Isso explica o êxito que tem vindo a obter desde que começou a ser produzido no início da década de 90, primeiro só por pequenos produtores, agora também por grandes empresas. Em termos de prestígio distinguem- -se sobretudo os biodinâmicos, geralmente conotados com alta qualidade. Em prova cega dificilmente se distinguirão os vinhos biológicos dos que são feitos por métodos convencionais."

In http://visao.sapo.pt/actualidade/visaose7e/comer-e-beber/2016-11-23-Tudo-o-que-sempre-quis-saber-sobre-vinhos-20-perguntas-20-respostas